Imagem do mês ARFOC-SP: Eduardo Anizelli registra violência policial no RJ e tem trabalho eleito pela terceira vez
No dia 02 de agosto, Eduardo Anizelli estava fotografando um retrato em Niterói quando soube de uma operação policial. “Mais uma no complexo da Penha e com número elevado de mortes”, lembra o fotojornalista. Foram 10 pessoas mortas e quatro feridas, levadas para o hospital Getúlio Vargas, na zona norte do Rio de Janeiro, para onde o fotojornalista foi assim que terminou a pauta em Niterói.
Ao chegar no hospital, o clima já estava mais calmo e a operação se findava, mas a viagem de Anizelli ainda resultou na impactante imagem eleita como imagem do mês da ARFOC-SP. Esse é o terceiro trabalho do profissional reconhecido pela honraria mensal.
“Estava só imprensa na frente do hospital e ficamos fazendo um plantãozinho ali pra ver se ia acontecer mais alguma coisa ou não. Alguns coleguinhas foram indo embora porque a parte ‘quente’ mesmo tinha acontecido, de fato, de manhã”, narra o autor da imagem do mês.
Quando estava para ir embora, Anizelli viu uma viatura da polícia se aproximando em direção à porta do hospital. Na sequência, o veículo blindado da Polícia Militar, popularmente conhecido como ‘caveirão’, chegou trazendo mais dois ou três corpos. O fotojornalista estava registrando o momento quando percebeu uma mulher saindo de dentro do hospital trazendo um balde de água.
“Pensei: ‘puxa, não é possível que eles vão lavar o carro aqui na frente do hospital, né?’ E não deu outra”, conta o fotojornalista, que após perceber a movimentação, correu para a parte de trás do carro para registrar a foto eleita.
“Estava com uma lente grande angular, nem deu tempo de trocar. Cheguei clicando como deu, mas aí não é nem pela estética, é mais pelo simbolismo que tem essa foto, né? Porque é um carro do estado, que retira os corpos de dois ou três negros que foram mortos em mais um conflito e uma cachoeira de sangue se faz ali, no hospital que parece mais um hospital de guerra”, diz.
“Toda vez que tem alguma pauta para aqueles lados, na frente daquele hospital parece um hospital de guerra porque não para de chegar corpo. E isso é uma coisa, infelizmente, quase cotidiana aqui na zona norte do Rio, onde tem operação quase todo santo dia”, completa o fotojornalista.
A chegada de corpos alvejados durante operações policiais nesse mesmo hospital já é cena conhecida. Há mais de um ano atrás, o primeiro trabalho de Eduardo Anizelli eleito como imagem do mês da ARFOC-SP também foi registrado lá. Já a segunda fotografia eleita foi em um lugar diferente: o complexo do Alemão, mas a violência retratada é a mesma. O que expõe a continuidade e frequência dos fatos.
“Tem muito fotógrafo bom no Brasil e é gostoso ser reconhecido assim [pela terceira vez com a imagem do mês da ARFOC-SP]. Por outro lado, é uma pena ser a terceira foto de violência, né? […] é gratificante pelo reconhecimento pelo trabalho, por outro lado não vejo muito motivo para comemorar. Porque são boas fotos? São. Mas uma realidade bem violenta”, diz Anizelli.
Apesar de esperar que os próximos reconhecimentos sejam por fotografias mais felizes, o profissional relata que já se perguntou muitas vezes sobre a importância de fazer esse tipo de cobertura e chega a conclusão de que: “Se com a imprensa lá é desse jeito que as coisas acontecem, imagina sem a imprensa?”
“A gente tem que noticiar. Por mais que é uma cobertura pesada, dolorosa. As pessoas veem e se impactam com aquilo. Tem que se impactar mesmo porque quem sabe as coisas não mudam? Eu sou um cara que acredito que tudo pode mudar um dia, então a partir do momento que eu deixar de acreditar em uma coisa dessa, eu vou parar de fazer fotojornalismo e fotografar outra coisa”, reflete Anizelli.
“Vou ser um eterno indignado, vou cobrir essas coisas sempre que eu puder. Não vou deixar de lado e a reflexão tem que ser feita por todos, não só por quem tá lá registrando né? Principalmente pelo poder público”, conclui.
Seguindo a tradição recém inaugurada por Amanda Perobelli, quem recebe o título de imagem do mês pela terceira vez tem direito a escolher música, assim como o famoso legado de quem faz três gols pede música no programa Fantástico, da Rede Globo. Anizelli, que faz parte da história do reconhecido da ARFOC-SP com fotografias e relatos críticos e reflexivos, não poderia deixar de escolher uma música que capaz de expressar tudo isso.
“Uma música que retrata bem esse assunto e principalmente essa última foto do caveirão sangrando é ‘Todo camburão tem um pouco de navio negreiro – O Rappa’. É uma música que conta bem essa história”.
Texto: Bruna Nascimento