Imagem do Mês: Registro de Eduardo Anizelli na chacina da Vila Cruzeiro é eleita a imagem de maio

 

Aquele dia acordei e o mundo já estava acabando na Vila Cruzeiro desde as quatro horas da manhã. ” Conta o autor da foto do mês, Eduardo Anizelli. A chacina da Vila Cruzeiro foi a segunda operação mais letal da história do Rio de Janeiro, com 25 mortos. Anizelli, repórter da Folha de SP há 14 anos e há 6 meses atuando no Rio, acompanhou a operação de perto, fazendo a cobertura da pauta para o jornal.

Em meio aos sons de tiroteio e ao disparo da câmera registrando imagens de familiares das vítimas e de corpos chegando, o profissional acreditava que já havia terminado seu trabalho e estava transmitindo as fotos para o jornal, quando se deparou com a cena que resultaria na fotografia escolhida como foto do mês de maio da ARFOC-SP.

“Na hora que eu olhei para cima, era uma rua meio subida, e parecia o filme Mad Max, sabe? Parecia um faroeste, parecia qualquer coisa menos uma cidade comum”, relembra Anizelli.

A cena vista era de vários motoqueiros descendo a rua juntos, alguns segurando camisetas brancas, e de uma caminhonete destruída com muitas pessoas em cima em direção a um hospital.

“A hora que a gente olhou na caçamba da caminhonete tinham quatro corpos. Um em cima do outro. ”, conta o fotografo. “No começo eles não queriam que a gente fizesse [as fotos]. Depois os caras pediram para a gente fazer para mostrar a covardia que a polícia tinha feito lá em cima. ”
Para Anizelli, esta foi a cena de confronto urbano mais forte que ele já viu pessoalmente ao longo dos 14 anos de profissão.

Em casos como esse, o papel da imprensa é fundamental e expõe problemas estruturais do estado, como é o caso de operações violentas e pouco efetivas contra o tráfico de drogas e que matam e colocam vidas periféricas, pretas e pobres em riscos. “São traficantes? Não cabe ao policial julgar quem é traficante, o que diz a constituição é que o cara tem que ser julgado, certo? ”, questiona o autor da imagem.

A tarefa de expor, no entanto, deve ser feita com responsabilidade, neutralidade e empatia, mesmo – e principalmente – em casos onde a cena seja, por si só, agressiva e retrate momentos de dor. Para isso, Anizelli compartilha duas lições: O repórter fotográfico deve entender que ele é o olho das pessoas que não teriam acesso à cena se ela não fosse mostrada. E deve lembrar que o profissional não faz parte da notícia, mas sim é um espectador que deve mostrar o que está acontecendo sem se envolver.

O autor da foto questiona, ainda, a tendência que as pessoas têm a repercutir e engajar imagens sobre a tragédia humana. “300 pessoas começaram a me seguir e começou a ter um monte de gente curtindo. Não cara, vocês não têm que me seguir. Vocês têm que ir para rua protestar de alguma forma fazer com que isso mude. ”, diz.

“Quando faz uma foto dessa, você não está ali atrás de curtidas. É mais isso: forçar as pessoas a ver o que acontece. O papel da imprensa é fundamental, não deve acabar jamais e eu acho também que a gente não deve desanimar jamais. ”, afirma Anizelli.

 

Texto: Bruna Nascimento | Foto: Eduardo Anizelli | Arte: Levi Bianco

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