Imagem do Mês: Olhar de Lalo de Almeida sobre crise dos Yanomamis é eleita imagem de janeiro
Por Bruna Nascimento
Nos últimos meses, a crise humanitária do povo Yanomami ganhou visibilidade. E não é exagero dizer que sem a fotografia e o jornalismo, ficaria ainda mais difícil de enxergar e entender as lamentáveis cenas agravadas pelos impactos sanitário, ambiental e social causados pelo garimpo e descaso com a saúde indígena.
Um dos profissionais empenhados em registrar tais cenas é Lalo de Almeida. O trabalho do fotojornalista na região da Terra Indígena Yanomami, localizada nos estados do Amazonas e Roraima, no norte do país, foi eleito como imagem do mês de janeiro da Arfoc-SP.
O profissional revela que a cobertura foi ainda mais difícil do que parecia. Ao chegar em Boa Vista (RR), para a cobertura pelo jornal Folha de São Paulo, se deparou com a dificuldade para acessar a região da Terra Indígena devido à logística difícil, a ainda desorganização do recém governo frente à situação e a prioridade da logística para o atendimento dos Yanomamis.
“A gente não conseguiu ter acesso à Terra Indígena, então a gente ficou meio que trabalhando no entorno, no que era possível. Como contar essa história sem ir na Terra Indígena.”, explica Lalo de Almeida.
Enquanto tentavam de todas as formas a autorização para acessar a Terra indígena, sem sucesso, Lalo e o repórter da Folha de SP passaram a procurar histórias que estavam ao alcance.
O primeiro local para esta cobertura foi o Hospital da Criança Santo Antônio, em Boa Vista. A unidade atende crianças indígenas e não indígenas da região e era o local para onde as crianças Yanomamis em estado mais grave estavam sendo levadas.
“A gente chegou no hospital e procurou documentar o que estava acontecendo ali de uma forma mais respeitosa possível, sem expor as crianças”, conta o fotojornalista que registrou a fotografia eleita como Imagem do Mês da Arfoc-SP. Na imagem, crianças indígenas em situação de subnutrição aparecem em redes, sem expor as identidades.
“Acho que a gente teve essa preocupação o tempo inteiro de conseguir contar a história e mostrar o drama que é, mas também sem expor as crianças, e de uma forma geral, mesmo os adultos que estavam vivendo isso. A gente tentou conciliar essas duas coisas: não deixar de mostrar, mas mostrar de uma forma mais respeitosa possível”, diz.
A cobertura durou 20 dias. Contornando a falta de acesso à Terra Indígena, a pauta, que começou no hospital Infantil, ganhou novas histórias. O Hospital que atende os adultos, a maternidade, um sobrevoo com Ibama e a fuga dos garimpeiros foram algumas das histórias contadas por meio do trabalho realizado. Além da história de outro povo indígena, os Macuxis, que moram numa terra indígena no entorno dos Yanomamis e também são afetados pelo garimpo.
COMPLEXIDADES AMAZÔNICAS
“Quanto mais eu fico na Amazônia, mais eu vejo a complexidade das coisas”, diz Lalo de Almeida. Ele é fotógrafo há cerca de 30 anos. Desses, 28 anos foram trabalhando para a Folha de São Paulo e há 12 se dedica a região Amazônica com mais intensidade.
“O meu foco de interesse é principalmente essa relação entre homem e meio ambiente. Essa relação de conflito, às vezes de harmonia, às vezes de destruição”, explica o profissional.
Com essa experiência, ele faz uma autocrítica e reflete sobre as lições que a pauta trouxe, como a demora da imprensa em tratar o assunto com a atenção e destaque merecido.
“Acho que a história dos Yanomamis foi uma paulada para a gente que cobre o Amazonas. Poxa, um negócio que estava lá há anos, como que a gente, eu, que estou viajando há 10, 12 anos [para o Amazonas] direto, não tinha ido lá ainda? Como é que a Folha não foi lá cobrir isso?”, questiona Lalo, que lembra que em 2021, matérias e fotografias de crianças Yanomamis em situação de desnutrição já eram noticiadas no jornal.
“A crise já estava lá em 2021, como que a gente não se aprofundou nisso? E agora vira uma notícia de uma proporção enorme. Como que a gente deixou chegar a esse ponto? Não só como país, mas imprensa. Para mim, pessoalmente, foi uma lição de como a gente cobre mal a região”, reflete o fotojornalista.
Para o profissional, as dificuldades da cobertura têm algumas explicações. Ele lista a falta de interesse do público pelo que acontece na região, a logística cara e complicada e a falta de uma imprensa local organizada e sem vieses, salvo algumas exceções como a página independente, Amazônia Real. Para ele, tudo isso, somado à complexidade particulares da região, resulta em uma falta de fôlego na cobertura.
“Quando a gente publica uma coisa no jornal sobre a Amazônia, a gente vê os índices de audiência das matérias e é baixo, então as pessoas não têm muito interesse”, revela ele.
Para o profissional, a pauta ganha força nas mídias sociais somente em tempos de crise, o que cria discussões rasas sobre o assunto. Uma dessas discussões leva a crer que a calamidade começou no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro.
“São processos históricos de degradação, de ocupação da Amazônia. Lógico, Bolsonaro foi o ápice disso, mas a gente teve períodos muito ruins em todos os governos. Então assim, é uma cobertura muito ruim da Amazônia, a gente cobre muito mal”, diz Lalo.
Por outro lado, o profissional explica que um dos ápices causados pelo ex-presidente foi o do perigo na região, sobretudo para a imprensa. Além do agravamento das atividades garimpeiras, o governo motivou o aumento da desinformação e Fake News que leva a uma descredibilização e deturpação do trabalho da imprensa e hostilização contra os jornalistas.
Entretanto, Lalo diz que é necessário entender que estes desafios e complexidades não se tratam de processos simples “do bem contra o mal”, e sim de estruturas da sociedade, que criam vítimas de todos os lados.
