Imagem do Mês: Contraste social registrado por Tiago Queiroz é imagem escolhida do mês de novembro

Em novembro, foi inaugurado o “Touro de ouro”, uma réplica do famoso touro de Wall Street no centro de São Paulo. Em uma estadia repleta de polêmicas, a estátua durou apenas uma semana no local. Mas foi tempo suficiente para ela e o que representa ser eternizada na fotografia de Tiago Queiroz, imagem selecionada como a foto do mês da ARFOC-SP.

A imagem que retrata a realidade de catadores de materiais recicláveis fazendo oposição à imponente escultura já havia sida criada na mente do fotojornalista antes mesmo da cena acontecer e ser registrada pelas lentes do profissional.

Voltando de uma pauta na Vila Olímpia e de olho nas redes sociais, Tiago Queiroz descobriu, por meio de um perfil de amigos (@avidanocentro.sp), que o touro tinha sido instalado na cidade. “Eu achei super curioso. Um negócio bem inusitado. E ao mesmo tempo eu já fiquei um pouco [pensativo]… ‘Um touro que remete a um touro de ouro, com tanta miséria na cidade’”, relembra.

O profissional não hesitou em entrar em contato com o pauteiro do Estadão, jornal onde trabalha, com o interesse de fotografar a estátua. “Eu pensei: ‘Puxa, de repente eu posso fazer uma composição que remete a esse contraste social horroroso que a gente está passando’”, diz.

Ao chegar ao local, a imagem perfeita foi buscada em meio a fotos de pessoas tirando selfies com o novo monumento, desde crianças a homens com terno e gravata e até mesmo um indígena posaram em frente ao touro enquanto Tiago registrava. “Fui mudando o ângulo, tentando cobrir aquela cena toda, ao mesmo tempo, meio que olhando para os lados para ver se a cena que eu tinha imaginado ia acontecer mesmo. ”, relembra o fotógrafo.

Foto: Tiago Queiroz

A imagem se concretizou cerca de 30 minutos depois, quando o autor da foto viu um senhor que coletava reciclagens se aproximar, atento para o disparo que tinha uma única diferença da foto imaginada: “A cena que eu tinha pensado era alguém com um carrinho e ele não tinha. ”, conta ele. “Foi engraçado, eu não sei se ele já tinha visto [a estátua], mas não chamou muita atenção dele. Ele pegou e passou, como se para ele, aquilo não representasse muita coisa”.

Ao conferir a fotografia e ter a intuição de que ela daria o que falar, o fotojornalista foi atrás do homem fotografado para ouvir sua história. Foi quando se deu conta de que o carrinho, detalhe que fez falta na foto, representava também uma queda no faturamento e um certo declínio social ainda maior para o personagem, que contrastava ainda mais com a ideia de ascensão e desenvolvimento representado pelo touro dourado.

Para Tiago Queiroz, a percepção e sentimentos cotidianos da cidade e as referências vindas das experiências, literatura e obras visuais são importantes para moldar o olhar em busca das fotografias. E mais do que um golpe de sorte, a composição de imagem e tudo o que ela carrega é uma construção diária ao longo dos anos.

“A foto tem um sentimento meio de indignação, eu acho, sabe? E ela trouxe também um pouco dessa polarização que a gente está passando no país há anos, tanto visualmente, quanto os comentários que eu li sobre ela.”, explica o fotógrafo. “Vi muita gente falando: ‘essa é a foto do ano’, ‘essa foto representa, 2021’, aí gente entrava nessa discussão e falava: ‘Não, ela não representa 2021, ela representa 521 anos de Brasil.’”

Texto: Bruna Nascimento

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