Canudos é tema de livro e exposição de Mônica Zarattini

HERDEIROS DA GUERRA DE CANUDOS É TEMA DE LIVRO E EXPOSIÇÃO

Plano, seco e pontiagudo, fotolivro de Mônica Zarattini, será lançado dia 21 de fevereiro, na DOC Galeria, que também apresenta mostra com imagens do livro

A fotógrafa Mônica Zarattini viajou em 1989 e 2016 para o sertão da Bahia, onde ocorreu a Guerra de Canudos há 120 anos.

Na primeira viagem, a missão de Mônica foi fazer uma reportagem sobre os 80 anos da morte de Euclides da Cunha, quando fotografou em preto e branco, com o bom e velho filme TRI-X, sistema analógico.
Repetiu a mesma rota em 2016 e reencontrou cinco pessoas que se emocionaram muito ao ver seus retratos feitos há 27 anos. Desta vez, projetou as imagens antigas dos personagens nas pessoas reencontradas e as fotografou novamente, só que em fotos coloridas, agora no sistema digital.
Além disso, levou consigo 3 rolos de filmes infrareds, os quais ficaram por 27 anos guardados na sua geladeira e com eles registrou paisagens locais.
Esses ensaios estão no fotolivro Plano, seco e pontiagudo, co-edição das Editoras Ipsis e Madalena, com tiragem de 400 exemplares, numerados e assinados.
Na DOC Galeria serão expostas fotografias vintages ampliadas pela fotógrafa em 1989. Além delas, serão expostas fotografias coloridas e infrareds, ambas com pigmento mineral sobre papel algodão.

 

// Serviço
Plano, seco e pontiagudo, de Mônica Zarattini
Fotolivro: Co-edição das editoras Ipsis e Madalena, 76 páginas, tiragem de 400 exemplares, numerados e assinados. Cada exemplar custará R$ 80,00.
Lançamento: 21 de fevereiro
Horário: a partir das 19h
Período da exposição: De 21 de fevereiro a 10 de março
Local: DOC Galeria
Endereço: Rua Aspicuelta, 145 – Vila Madalena, São Paulo, SP.
Contato: 11 2592-7922, docgaleria@docgaleria.com.br

Link para a campanha de financiamento coletivo :
https://www.kickante.com.br/campanhas/fotolivro-sobre-canudos-planoseco-pontiagudo
Link para o evento no facebook:
https://www.facebook.com/events/197301887676270/

// Texto de apresentação da autora

Plano, seco e pontiagudo

Mônica Zarattini

Em março de 1989, pisei pela primeira vez num território literalmente “plano, seco e pontiagudo”, como o escritor peruano Mario Vargas Llosa descreve Canudos em seu livro A Guerra do Fim do Mundo. Foi em Canudos, no sertão da Bahia, onde ocorreu uma das mais sangrentas batalhas da história do Brasil. Senti a energia de um lugar onde a guerra havia deixado profundas marcas. Eu e a repórter Brenda Fucuta fomos pautadas para produzir um suplemento especial para o Caderno 2, do O Estado de S. Paulo, que marcava os 80 anos da morte do repórter Euclides da Cunha, autor do livro Os Sertões.
Refizemos a mesma rota percorrida por Euclides a serviço do Estadão em 1897, quando acompanhou a quarta expedição do exército brasileiro que dizimou o arraial de Canudos e relatou em reportagens os pormenores do enfrentamento.
Em março de 2016, por iniciativa própria, refiz o trajeto da quarta expedição em companhia da fotógrafa e amiga Paula Marina que, ao saber do meu projeto, se alistou prontamente.
Queria verificar in loco, 27 anos depois, o que havia mudado naquela terra. Nos dois momentos – 1989 e 2016 – minha intenção foi experimentar em imagens a narrativa euclidiana: a terra, o homem, a guerra, mas também o mito.
O governo da jovem República (implantada em 1889) pode derrotar de vez o vilarejo somente na quarta expedição militar, em 1897. Até lá, os sertanejos liderados por Antônio Conselheiro conseguiram vencer os militares por três vezes, armados de paus, espingardas e facões. Depois da abolição da escravatura em 1888, ex-escravos castigados pela seca e pela fome, vagavam pelas estradas de um Brasil que até hoje não constituiu um projeto para o fim da escravidão. Renovaram suas esperanças quando se uniram sob a liderança do messiânico Antônio Conselheiro, classificado pela imprensa da época como o “fanático monstro de Canudos”. Como defendia o não pagamento de impostos, proibia o casamento civil, não tolerava bebidas alcoólicas e roubos, o grupo liderado por Conselheiro ao redor do Rio Vaza-Barris foi considerado pelo governo da Bahia, latifundiários e Igreja como um ninho de rebeldes que precisava ser eliminado.
Aquele povo sofrido que sonhava com a construção de uma nova sociedade, na qual a terra era um bem coletivo, resistiu bravamente por quatro anos. Acredito que só a força dessa matriz solidária conseguiu enfrentar as bem equipadas forças militares. Na quarta e decisiva expedição, 20 mil sertanejos e cinco mil soldados morreram, transformando o sertão num mar de sangue.
Na segunda viagem (em 2016), sem a responsabilidade de missão fotojornalística, voltei à Canudos com um inevitável outro olhar. Reencontrei cinco moradores que havia fotografado em 1989, entre eles, Padre Enoque, um dos nossos entrevistados. Com ele, obtive pistas para procurar outros fotografados em áreas rurais de Velha Canudos, Monte Santo e Uauá. Carregando meu lap top para todos os lados, exibia as fotografias feitas em 1989 e tal como um novelo que se desenrola, um indicava outro para encontrar a casinha na qual poderia estar aquela gente.
As cinco pessoas retratadas se emocionaram ao serem surpreendidas ao ver sua própria imagem de 27 anos antes. Projetei as fotografias antigas sobre essas pessoas no intuito de criar uma camada de tempo de mais de um quarto de século e as fotografei de novo. Padre Enoque vive hoje na Casa de Canudos, na cidade de Euclides da Cunha, onde fica a sede do Movimento de Canudos fundado por ele e por Vanda Evangelista. Seus cabelos e barba estão bem branquinhos. Dona Josefa Pinheiro Santana, líder comunitária e fundadora da Escola Família Agrícola do Sertão continua vivendo na Lagoa do Saco, em Monte Santo. Ampliou sua casa, trocou o chão de terra batida por um piso de cerâmica e as paredes estão bem pintadas. Mora com filhos e netos e todos usufruem da internet em plena área rural de Monte Santo. A menina Danílza Pinheiro Santana, que com apenas 12 anos, aparece ao lado da avó Maria e seu gatinho na foto de 1989, é hoje comerciante numa loja do centro de Monte Santo. A lavadeira Heleni de Matos Araújo não precisa mais lavar roupas nos poços de água de chuva acumulada, como fazia aos 22 anos. Agora ela tem sua própria cisterna e luz elétrica para seus utensílios domésticos. O menino Gilmar da Silva Anselmo se comoveu e chorou ao ver sua fotografia ainda criança, com apenas 6 anos. Aos 33 anos, ele não tinha memória alguma de sua aparência infantil. Atualmente pesca camarão e tilápias no Açude Cocorobó.
Durante esses 27 anos, minha geladeira guardou 3 rolos de filmes infravermelhos que levei comigo na última viagem. Nem sabia como ficariam as paisagens após a revelação deles… mas, no final, gostei do resultado misterioso e nostálgico do analógico. Surgiram sutis representações do “plano, seco e pontiagudo”.
Dedico este livro aos moradores dos prédios ocupados no centro de São Paulo pela Frente de Luta por Moradia (FLM). Um lembrete: mesmo depois de 120 anos da Guerra de Canudos, nosso governo ainda pune os que ocupam um território para viver e trabalhar. E serem felizes. Agradeço a líder Carmen Ferreira por ter abraçado este projeto.

 

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